Ex-presidente defende independência e diálogo entre os Poderes e movimentos no sentido de pacificar o Brasil
Nesta entrevista ao jornal Estado de Minas depois do seminário, o
ex-presidente adverte: “Acho que o Executivo deve tomar muito cuidado nessa
relação com o Congresso Nacional, especialmente no momento da eleição do
presidente da Câmara”, pregando a não interferência do presidente eleito para
garantir o diálogo e harmonia em 2023.
Temer considera que tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto
o eleito Luiz Inácio Lula da Silva deveriam dar o exemplo e colocar em prática
o discurso pela pacificação: “A pessoa prega a paz e chama o ex-presidente de
golpista é porque não quer paz”, diz.
A seguir, os melhores momentos da entrevista.
O senhor defendeu que haja um diálogo entre os presidentes Jair Bolsonaro e Lula. Mas existe clima para isso diante do que estamos vendo no país?
Talvez o que pudesse ser utilizado seriam palavras de moderação e tranquilidade. Palavras tranquilizadoras para o país. Não apenas do presidente atual, como também do presidente eleito. O presidente eleito que foi, vitorioso que é, deve ter um certo gesto de grandeza. Ficar acima dos acontecimentos e, portanto, praticar o que muitas vezes ele fala. Ele fala em pacificar, essa é a palavra, mas na ação ele muitas vezes usa palavras agressivas em relação ao atual governo. E isso não colabora. Eriça, na verdade, os movimentos contrários à sua posse. Não chego ao ponto do diálogo, porque o diálogo se faz por meio da transição e a transição está sendo feita. Seria muito desejável, embora eu ache neste momento bastante difícil, seria extremamente útil se, num dado momento, os presidentes, o atual e o eleito, dialogassem.
O senhor vê algum risco para a democracia, diante de tantas manifestações agressivas que vemos, inclusive essas, aqui em Nova York?
Acho que as instituições estão muito solidificadas. A grande maioria do povo brasileiro tem apreço pela instituição democrática. Ninguém quer um regime forte, centralizador, autoritário. As pessoas querem democracia. É preciso esperar passar essa onda derivada das eleições, em que há um certo inconformismo. Passada essa onda, o Brasil vai prosseguir com muita tranquilidade.
Tem muita gente dizendo que o presidente Lula gostaria de conversar com o senhor, mas uma parte do PT ainda chama o senhor de golpista. Como está essa relação? O senhor esteve ou estará com o presidente Lula?
Não estou fazendo mais vida política, eu lamento muitas vezes essa agressividade referentemente a golpista, isso só divide. A pessoa prega a paz, a pacificação e chama o ex-presidente de golpista é porque não quer paz. Não estive com o presidente Lula e não tenho nenhum encontro marcado.
Como o senhor vê um governo de centro-esquerda convivendo com este Congresso mais conservador?
Em primeiro lugar, e aqui é uma posição muito pessoal, tenho assim, não digo desprezo, mas não considero mais essa questão de direita, esquerda, centro-direita, centro-esquerda, porque eu sei que o que o povo quer é resultado. Se o resultado vem do que se chama esquerda, centro-direita, direita e o resultado for positivo, não importa. Sempre dou um exemplo muito singelo: você vai perguntar a quem está passando fome se é esquerda ou direita, ele vai dizer, eu quero um pão. Vai perguntar para quem não tem emprego se é esquerda ou direita, ele vai dizer que quer um emprego, para a classe média que vai ao supermercado, ela quer é preços mais baixos. Portanto, o que se quer é resultado. Ora, o Congresso é órgão legislativo que fala em nome do povo. Portanto, o povo quis eleger aquele que você chama de Congresso conservador. Penso que o Congresso, seja agora, seja no passado, sempre se conduziu apoi- ando os bons resultados para o povo. Dou aqui o exemplo do meu governo. Quando precisamos fixar o teto para os gastos públicos, o Congresso deu apoio. Quando fizemos as reformas trabalhista e a da Previdência, que são verdadeiros “vespeiros”, tivemos tanto diálogo que o Congresso acabou aprovando, não houve um tumulto no país. Creio que o Congresso está pronto para produzir resultados positivos para o povo brasileiro. Vai depender muito do diálogo que o presidente da República, portanto, o Executivo, tiver com o Legislativo.
O senhor teme algum problema político caso o presidente Lula não apoie Arthur Lira, que tem direito à reeleição, para a presidência da Câmara?
Acho que o Executivo deve tomar muito cuidado nessa relação com o Congresso Nacional, especialmente, no momento da eleição do presidente da Câmara. Você sabe que fui três vezes presidente da Câmara – duas vezes no governo Fenando Henrique e uma vez no governo Lula. Eu tinha, naquela ocasião, do governo Fernando Henrique, a simpatia do presidente da República, mas não tinha a ação do presidente da República, que é uma coisa diferente. Portanto, não houve interferência naquela ocasião. De igual maneira, no tempo do Lula, não sei se eu tinha a simpatia dele, mas ele não interferiu na minha eleição para presidente da Câmara. É uma recomendação que eu tomo a liberdade de fazer: deixa o Legislativo decidir por conta própria. E, daí, é diálogo.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, tem uma proposta de semipresidencialismo. O senhor acha que dá para votar, é preciso esperar mais?
O semipresidencialismo seria o ideal. Insisto neste tema há bastante tempo, precisamente em função desses conflitos. De fora à parte dos dois impeachments (Collor e Dilma), veja o trauma que está causando esta eleição presidencial. Acho que o semipresiencialismo é a solução. Evidentemente, não é para agora. Seria para 2026, quem sabe 2030, que é uma tese encampada pelo presidente Arthur Lira. Ele chegou a constituir uma comissão de deputados, que se serviu de uma comissão de juristas. Acho que seria o ideal para o país, mas, enfim, espero que não fique só no sonho. (com informações do portal UAI)